quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Idolatria

Por João Batista Passos
Membro do Apostolado Sociedade Católica


A deficiência em se tratar a respeito do assunto da idolatria hoje em dia causa um sentimento errado sobre o assunto. A idolatria é de fato um grave erro presente no coração e pensamento humano em relação a Deus. Porém devemos conceituar o erro da idolatria afim de que este desvio não seja reduzido a fatores permanentes e sempre iguais em toda a caminhada do Povo de Deus.


Há diversificações variadas dos desvios que reflete a cada época o posicionamento das pessoas em relação a sua própria crença, que diverge da Fé revelada por Deus, da Fé que se deixou a mostra em suas verdades através dos profetas e sobretudo da Fé revelada e confirmada através dos Santos Evangelhos.

O erro, de fato, estava na busca e na confirmação da identidade de Deus. Muitos povos na antiguidade possuíam o animismo como crença religiosa, atribuindo uma identidade divina a objetos inanimados, como pedaços de madeira, esculturas, pedras e em outros casos atribuíam a fenômenos da natureza como uma ação de alguma divindade. Se olharmos de maneira mais natural para estas crenças, veremos que mesmo que tais pessoas estivessem no caminho errado, elas buscavam a Deus.

Para corrigir tais seguimentos, em épocas em que a escrita era absolutamente restrita, era preciso que a revelação de Deus lhes fosse comunicada, de maneira simples ou até mesmo de maneira dura algumas vezes.

Nas épocas descritas entre os povos do Antigo Testamento em relação à Fé do povo hebreu, fora justamente uma luta para a afirmação da identidade de Deus. Enquanto os povos, chamados de pagãos cultuavam imagens, madeiras, construções humanas, o povo hebreu afirmava que Deus havia se revelado desde a origem do mundo, seja a Adão no Éden ou a Noé ao anunciar o dilúvio e o extermínio dos que se desviavam de sua presença, justamente por não O conhecerem.
A identidade de Deus vem sendo através dos textos bíblicos e das histórias entre o povo judeu, paulatinamente afirmadas através de seus profetas, sacerdotes e também pelo povo eleito para mostrar ao mundo a identidade de Deus, que se mostra presente e operante entre eles, fazendo com que se sobressaíssem entre os demais povos em questão de que os próprios reflexos da compreensão de quem é realmente Deus em suas tradições, cuidados, códigos de éticas e construção de uma moral conceituadamente superior entre as culturas dos povos daqueles tempos.

No Novo Testamento o tema é tratado de maneira diferente, já não se busca a afirmação da identidade divina, esta já estava bem inserida no conhecimento do povo hebreu e dos povos que aceitavam a crença em Deus propagada pelos judeus. O que se põe nas pautas sobre o tema é principalmente a questão do culto. Como devemos honrar, louvar e adorar verdadeiramente a Deus. O culto do templo era dedicado ao verdadeiro Deus, porém, muitas vezes o próprio culto e suas formas foram condenados por Cristo, não porque se havia algo errado no culto em si, mas com a concepção automatizada que muitos judeus estavam tendo em relação a Fé.

O culto que é a forma de anunciar a presença de Deus em nosso meio e orientar a questão do respeito, da adoração, da fidelidade e outros sentimentos que deveriam ser sinceros e muito pessoais, havia produzido a falta de intimidade das pessoas com Deus, tudo se tornara mecânico, as ofertas eram tidas como que impostos pagos, a oração era apenas para sustentar identidades sociais. Tudo era muito bonito e relacionado ao verdadeiro Deus, mas as decisões pessoais não O alcançavam mais, estavam distantes, os corações frívolos do amor e da real presença de Deus. Deus era cultuado mas não verdadeiramente adorado, ou seja, havia aí também a idolatria, em que muitos dominados pela instrumentalização, honraram a si mesmos mais do que a Deus. Tomemos aqui o devido cuidado para dizer que a afetação acima descrita não seja algo generalizado, pois haviam crentes sinceros e realmente piedosos.

No Novo Testamento vemos que Jesus não entra no mérito das imagens e sim nas entranhas do coração dos homens, que aparentemente estavam tão próximos de Deus, mas que eram na realidade como túmulos, se assemelhavam a pessoas mortas, pois tinham compromisso com o culto, mas pouco ou nenhum compromisso com Deus.

Em uma outra narração bíblica vemos que aqueles a quem os judeus tratavam como idólatras recebem o anúncio da Palavra de Deus, onde o próprio Verbo Divino a anuncia (anuncia a si mesmo) e não os condena com as mesmas acusações dos Judeus, mas ensina sim a verdadeira forma de adorar, em espírito e em verdade e converte uma mulher e esta converte a muitos com o mesmo anúncio. Jesus se mantém no meio deles, pois a idolatria foi vencida, não com a acusação vazia, mas com o anúncio de Deus para pessoas que O temem.

São Paulo, o Apóstolo, quando em Atenas observava uma cidade rodeada de ídolos, realiza um discurso muito propício em relação à questão, que nos serve de molde para tratar do assunto em todas as circunstâncias em que se há a substituição da adoração a Quem é o único e digno de todo o louvor. No Areópago, o Apóstolo diz que o deus que eles adoravam sem conhecer ele O anunciava-lhes, pois, fato que Deus se deixou ser conhecido pelo anúncio de Cristo pela sua Igreja. O mesmo ocorre a nós hoje, precisamos conhecer o Deus verdadeiro que nos seja capaz de mostrar o caminho e a alegria perfeita de Nele crer. Todos os nossos desejos e ansiedades mostram as nossas necessidades de ir ao encontro com Deus, mas não tendo nós conhecimento ou perseverança, substituímos o querer estar completados em Deus e deixar nos completar por outros anseios que temporariamente nos satisfazem, satisfazem aos nossos sentidos mais íntimos. É preciso conhecer a Deus pelo anúncio da Igreja, pois ela é portadora de sua Palavra e de seu Espírito Santo e abandonar os desejos e ações que nos parecem nos satisfazer tão bem. Não é fácil, pois exige o Sacrifício, eis o Sacrifício que é propício a nós, a nossa existência.

Por falar em sacrifício, vejamos, que nos mantemos diariamente em gestos concretos de sacrifícios, acordamos de madrugada para trabalhar, estudamos até altas horas para obtermos conhecimento, nos sujeitamos a regras que nos são impostas a fim de que outras coisas possam ser mantidas em ordem, eis bons exemplos de sacrifícios que refletem positivamente no desenvolvimento da criação, no bem-estar dos próximos e que refletem sinais da construção do Reino de Deus na terra. Mas de qual sacrifício queremos dizer que não é propício e nos pode afastar de Deus? É aquele que uma pessoa faz a ela própria e que de forma alguma é verdadeiramente útil a si mesmo e ou ao próximo. O culto ao próprio corpo, apenas pela salientar a aparência e que muitas vezes agride a própria saúde e definha a alma, é um fácil exemplo que sempre nos vem na memória. Cuidar do corpo e de sua saúde é um ato moralmente necessário, mas ao ponto que se destina muitos sacrifícios apenas para a promoção da aparência se torna um desvio de fé e pode culminar em idolatria, afastando a realidade da presença divina para longe ou mesmo a abandonando de fato. Se passam horas do dia sem comer e esforçando-se além dos limites para atingir uma satisfação meramente pessoal, mesmo que quem se submete a tais exigências não pense dessa maneira, já que de alguma forma isso lhe parece bom e não indique maldade nenhuma, mas, permita-me questionar se isto é capaz realmente de trazer uma alegria e satisfação duradoura? Plásticas em sequência, onde se levam até meses para se recuperar de tão incisivas cirurgias e dores, são facilmente suportadas, dores e inchaços são aceitos de maneira pacífica, pois se deseja atingir um bem pessoal, uma conquista. Mas que bem estamos deixando de lado para obter bens menores com tão grandes sacrifícios? É verdade que não se atinge nenhum bem sem sacrifícios, mas é preciso relacionar os sacrifícios que estamos nos exigindo e checar se o bem que alcançamos é realmente compensatório? Nunca deixamos de buscar um bem, mesmo quando o Verdadeiro e Supremo Bem seja colocado fora de nossas intenções.

A idolatria também se difunde em meio ao poder temporal, aquele que é capaz de promover status social, domínio de áreas e de pessoas, produz leis e julgamentos. O poder temporal é algo fundamental e necessário, mas quando este supera a clareza da Fé e sustenta a incapacidade do individuo abrir mão de si mesmo em favor do outro, se torna um sistema vicioso, um redemoinho no qual quem entra já não mais deseja abrir mão das possibilidades oferecidas, pelo contrário, parece nutrir cada vez mais maiores necessidades, mesmo que tudo já lhe tenha sido alcançado.

O poder temporal só é fundamental quando este se alinha a verdade, mesmo que hoje se promova a laicidade dos poderes sociais constituídos, tais poderes devem ser vigilantes em torno da verdade e especializarem-se em conhecer e promover a moral à sociedade, para que esta se torne viável aos seres. Quando assistimos sistemas ideológicos, que se baseiam pela simples e mera oposição aos valores que historicamente foram constituídos na formação de uma nação, esta se mostra substituindo verdades inalteráveis por conceitos de liberdades desmedidas onde tudo é relativo e ao mesmo tempo se faz necessário retirar o conceito de Deus, onde somente sem a presença Dele é possível desregrar as leis e os atos. Tais ideologias substituem Deus por sistemas meramente racionais, na esperança de que o homem seja capaz de lidar com toda a potência universal e dela se resguardar. Idolatram a capacidade humana, que apesar de suas habilidades e enormes capacidades, porém que se mostra incapaz de se defender de meros caprichos da natureza e pelo descuido com os valores constituídos, se mostra cada vez menos capaz de oferecer verdadeiras e sucintas respostas ao drama humano. Relega-se a religião ao limbo.

Hoje em dia, além das desordens naturais que se ampliam perante o pensamento de que tudo pode ser realizado pelo ser humano, sem que a culpa lhes recaia ou os atinja, pois não há ordem, não há lei, não há juiz para os nossos atos. Já não somos promotores de nossa própria honra, mas honramos tudo aquilo que conseguimos conquistar, trabalhamos duro para obter objetos, que se por um lado facilitam as nossas vidas, por outro podem indicar que nós estamos nos satisfazendo com muito pouco. Mas temos coisas maiores a conquistar? Somos merecedores de bens maiores que os que nos oferece a tecnologia? Há bens maiores que nos satisfaçam mais do que os oferecidos pelas inovações e criações humanas? Será possível abrir mão de bens materiais por bens que a Fé e a Esperança Cristã nos dizem que ainda estão por vir?

Quando dizer abrir mão, não significa se opor a todos os bens materiais, mas saber especificar a cada objeto o seu lugar, que tais sejam favoráveis a nossa natureza, que sejam meios para atingirmos Aquele Bem maior e não sejam tais objetos o fim de nossos desejos, de nossa existência. Até os desejos da carne humana, quando nos fazem afastar de Deus nos sinalizam que, pela consciência, de que estamos buscando algo bom de maneira errada.
É preciso então vencer a si mesmo, ordenar os anseios dos nossos mais variados desejos para que eles nos levem a perfeição pelas estradas que a Fé e a Esperança nos encaminham, pelo caminho que Deus nos preparou para realizar em nós as suas mais belas promessas, por isso, devemos ter em regra que Deus está acima de tudo e de todos e é o Bem verdadeiro que tanto procuramos em coisas vãs.

Para chegar a um último ponto desta reflexão, na qual o próprio Cristo nos mostra que a idolatria não está em objetos e sim nos corações humanos, vamos tratar também sobre as acusações que os católicos enfrentam em relação ao uso de imagens sacras. Se a idolatria vem de fato do coração, as imagens sacras não são sinônimas de idolatria. Mas é claro que as imagens podem se tornar instrumentos utilizados para serem idolatradas, tratadas com uma visão reducionista de suas utilidades e caindo, sobretudo, nos caminhos da superstição, algo que é e sempre fora combatido por aqueles que conheceram mais a fundo a Doutrina Católica e Apostólica. Mas há reducionismos por parte dos protestantes que se prontificam em acusar que a permissão do uso de imagens sacras são instrumentos de adoração, pois verificam-se somente o objeto e não o que está no coração do homem. Se se reduzem o termo idolatria apenas ao estrito uso de imagens sacras, esquecem-se das mais definhadoras formas de idolatria, aquelas que podem gerar apego ao sucesso pessoal, ao dinheiro, aos bens materiais e a tudo o que pode estar afastando de Deus, pois se não usam imagens, podem correr o risco se permitirem a cair em diferentes espécies de cultos idolátricos sem nenhuma culpa.
Não percebem que a Igreja de Cristo atravessou a história da humanidade nos últimos dois mil anos e que pessoas foram construtoras dessa história, da evolução do anúncio da Fé em Cristo e que suas vidas e palavras foram instrumentos de santificação e de manutenção da presença da verdade em nosso meio. A Igreja não vê que a salvação é um ato de retenção pessoal em Deus, mas a congregação de todos os que pela mesma Igreja manifestam a vida em Cristo. As imagens contam e nos lembram da unidade dos que pela graça são justificados e que isto não se reduz aos capítulos da história de hoje, do aqui e do agora, mas indica algo muito maior, que a Igreja de Cristo vive ontem, hoje e permanecerá assim também no amanhã. O próprio termo Igreja significa assembléia, congregação e por isso as imagens de homens e mulheres com nós estão nela congregados pelo poder de Cristo. As imagens vem nos lembrar que Cristo não é imediatista e que a sua salvação é eterna e que os seus santos são seus amigos, pois deram a sua vida ao Evangelho de Cristo.

Para todas as questões acima tratadas, há uma só forma de se afastar os perigos da idolatria, buscando conscientemente amar a Deus sobre todas as coisas, de maneira humilde e sincera, mesmo nas tribulações e desvios, fragilidades e limitações, pensar sempre que somente Deus tem a resposta para a nossa felicidade. Crer, amar e Esperar.

“Diliges Dominum Deum tuum in toto corde tuo et in tota anima tua et in tota mente tua.” Mt XXIII, XXXVII



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